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Candidaturas coletivas: desafios jurídicos de uma representação inovadora

Marcio Coutinho
Marcio Coutinho

Segundo o advogado Márcio Augusto Vasconcelos Coutinho, a política brasileira tem testemunhado, nas últimas décadas, uma crescente busca por novas formas de representação e participação. Entre as alternativas surgidas está o modelo das candidaturas coletivas, quando mais de uma pessoa concorre a um cargo público com a proposta de dividir ou compartilhar o mandato. 

Embora essa prática ainda seja incipiente no cenário eleitoral nacional, ela traz à tona importantes questões jurídicas que envolvem a legislação eleitoral, os princípios constitucionais e o funcionamento do Estado democrático. A ausência de regulamentação específica sobre o tema gera insegurança tanto para os próprios candidatos quanto para os órgãos responsáveis pela fiscalização e validação dos pleitos.

Como surgiu e qual o objetivo das candidaturas coletivas?

As candidaturas coletivas têm suas raízes em movimentos sociais e experiências internacionais onde a ideia de governança compartilhada é mais difundida. Márcio Augusto Vasconcelos Coutinho explica que, no Brasil, elas começaram a ganhar visibilidade principalmente em eleições municipais, muitas vezes associadas a grupos feministas, indígenas, negros ou da periferia urbana. O objetivo principal dessas candidaturas é romper com o modelo tradicional de individualismo político.

Apesar do caráter inovador, essas candidaturas enfrentam barreiras desde sua concepção. A legislação eleitoral brasileira, especialmente a Lei nº 9.504/1997, foi estruturada com base na figura do candidato individual, sem prever mecanismos legais para a divisão de mandatos ou a partilha de funções políticas. Isso significa que, embora grupos possam lançar candidaturas coletivas, o sistema não reconhece formalmente a divisão de responsabilidades entre os integrantes.

O que diz a legislação sobre a representação compartilhada?

Márcio Augusto Vasconcelos Coutinho ressalta que o Código Eleitoral e a Constituição Federal não contemplam explicitamente as candidaturas coletivas, criando um vácuo legal que dificulta sua aceitação institucional. A exigência de ficha limpa, a responsabilidade penal e administrativa durante o mandato, bem como a imposição de inelegibilidades, são todas aplicadas de maneira individual, tornando complexa a manutenção de um grupo como titular de um único mandato.

Marcio Coutinho
Marcio Coutinho

Outro ponto crítico é a questão orçamentária e funcional. Um mandato pressupõe verbas específicas, gabinete próprio e prerrogativas exclusivas ao titular. Se mais de uma pessoa pretende exercer esse papel, surge a dúvida: como distribuir esses recursos e atribuições de forma legal e transparente? A falta de normatização clara abre espaço para interpretações divergentes e aumenta a chance de questionamentos jurídicos, tanto por parte de outros candidatos quanto dos tribunais eleitorais.

Como os tribunais têm tratado as candidaturas coletivas?

Nos últimos anos, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e tribunais regionais têm sido chamados a decidir sobre a validade dessas candidaturas. Em geral, os entendimentos têm sido conservadores, considerando-as inválidas por não estarem previstas na legislação vigente. Márcio Augusto Vasconcelos Coutinho frisa que em alguns casos, foram deferidos registros com ressalvas, permitindo que o nome do grupo fosse mantido, mas atribuindo o cargo a uma única pessoa fisicamente identificada como titular. 

Em 2020, por exemplo, o TSE analisou uma candidatura coletiva na cidade de São Paulo e concluiu que, embora o ideal seja acolhido democraticamente, a legislação não permite a efetiva divisão de mandato. Apesar disso, o tribunal destacou a importância de reconhecer o direito de manifestação política e sugeriu que eventuais alterações devem partir do Poder Legislativo. Assim, enquanto não há mudanças normativas, as candidaturas coletivas continuarão sendo avaliadas caso a caso, sem garantias de reconhecimento formal.

Desafio para o futuro: repensar a representação política

Por fim, Márcio Augusto Vasconcelos Coutinho conclui que as candidaturas coletivas representam uma tentativa de modernizar a política e ampliar a inclusão de vozes historicamente marginalizadas. Contudo, seu sucesso depende de uma atualização urgente da legislação eleitoral, capaz de dar conta de realidades políticas emergentes. Enquanto isso não ocorre, grupos interessados nesse formato continuarão sujeitos a impugnações e limitações práticas. 

O debate precisa ir além do campo jurídico e alcançar os legisladores, que têm o papel fundamental de adequar o arcabouço legal às transformações sociais e políticas em curso. Afinal, a democracia só se fortalece quando se abre espaço para novas formas de representação e participação cidadã.

Autor: Yan Chay