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Por que o Brasil tem a população mais ansiosa do mundo

Coração acelerado antes de uma prova, nervosismo em uma reunião importante ou mãos suando no primeiro dia de trabalho. Provavelmente, você já sentiu algum desses sintomas.

Agora, se você está com dificuldades recorrentes para dormir, fica sem ar em uma reunião importante e não consegue se concentrar no trabalho por somente pensar no pior deve ficar atento. O que acredita ser normal pode ser um distúrbio psiquiátrico e exige avaliação médica.

Quando não tratada corretamente, a ansiedade pode virar uma adversidade e desencadear outros transtornos mentais, como a depressão, que acomete aproximadamente 300 milhões de pessoas no mundo, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

Aos 19 anos, a estudante Julia de Mello Precioso representa um dos 18,6 milhões de brasileiros que possuem transtorno de ansiedade.

“No começo, me sentia desmotivada, meu coração ficava extremamente acelerado, tinha falta de ar, mudanças drásticas de humor. Mas ao passar do tempo esses sintomas foram aumentando e chegou no ponto deu somente chorar e não ter vontade de socializar.”

Histórias como a dela estão sendo cada vez mais comuns no mundo, principalmente, após a pandemia do coronavírus. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que no primeiro ano da pandemia de Covid-19, a prevalência global de ansiedade e depressão aumentou em 25%.

“Uma das principais explicações para esse aumento é o estresse sem precedentes causado pelo isolamento social decorrente da pandemia, além das restrições à capacidade das pessoas de trabalhar, busca de apoio de familiares e vida social ativa. A solidão, medo de se infectar, sofrimento e morte de pessoas próximas foram fatores estressores que levaram à ansiedade e depressão”, disse Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

De acordo com o último grande mapeamento global de transtornos mentais, realizado pela OMS, o Brasil possui a população com a maior prevalência de transtornos de ansiedade do mundo.

Para se ter uma ideia, aproximadamente 9,3% dos brasileiros sofrem de ansiedade patológica. Em seguida, aparece o Paraguai (7,6%), Noruega (7,4%), Nova Zelândia (7,3%) e Austrália (7%).

Índice elevado de desemprego, recorrentes mudanças no rumo da economia e falta de segurança pública são apontados por especialistas ouvidos pela BBC Brasil como principais fatores para a alta prevalência de transtornos de ansiedade na população.

“O Brasil tem uma alta taxa de violência, que faz muitas pessoas saírem de casa com o receio de serem assaltadas. Receio que gera ansiedade”, apontou Rafael Boechat, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB).

Especializada em acolher pacientes com transtornos mentais, a psicóloga Adriana Botarelli conta que as próprias dificuldades econômicas contribuem para o alto número de pessoas ansiosas.

“A maior parte da população do Brasil tem pouco acesso a serviços de saúde mental, muitas horas de trabalho por dia, inseguranças quanto ao futuro e pouca qualidade de vida. Todos esses fatores trazem sentimentos de medo, preocupação e angústia.”

Já Gerardo Maria de Araújo Filho, professor do departamento de ciências neurológicas, psiquiatria e psicologia médica da Faculdade de Medicina de Rio Preto (Famerp), acredita que o uso excessivo de computadores e smartphones também explica a alta prevalência de ansiedade no Brasil.

“A rede social gera uma série de cobranças nas pessoas. Você praticamente começa a querer ser magro e esportista como o influenciador.”

Um estudo realizado pela Canadian Journal of Psychiatry comprovou que, quanto maior o uso de telas, maior o nível de ansiedade.

Ao mesmo tempo, um relatório lançado pela empresa de análise de mercado digital App Annie apontou que o Brasil lidera o pódio dos países com pessoas que mais passam tempo conectadas.

Para se ter uma ideia, o brasileiro passa, em média, quase cinco horas e meia por dia diante de seus aparelhos.

Trata-se, ao lado da Indonésia, do maior volume de uso de celulares entre os 17 países analisados no relatório (que também engloba Coreia do Sul, México, Índia, Japão, Turquia, Singapura, Canadá, EUA, Rússia, Reino Unido, Austrália, Argentina, França, Alemanha e China), com base em dados coletados das lojas online iOS App Store, Google Play e outras.

Crianças são mais vulneráveis
Entre as faixas etárias mais vulneráveis a ter o diagnóstico de transtorno de ansiedade, crianças e adolescentes aparecem na liderança.

Contudo, especialistas ressaltam que todas as pessoas ao decorrer da vida são suscetíveis a ter o diagnóstico de algum transtorno de ansiedade.

João*, por exemplo, adorava brincar com os amigos, ir para a escola e passear com a família. Com a pandemia, tudo mudou e o menino de 13 anos precisou ficar mais tempo recluso em casa.

Foi quando a mãe percebeu o adolescente mais irritado, medroso e com preocupações excessivas. Era os primeiros sintomas da ansiedade patológica.

“Minha mãe percebeu que realmente precisava de ajuda quando comecei a me isolar e não sentir mais vontade de fazer atividades que gostava. Passei a ter um receio enorme que algo ruim iria acontecer, como alguém da minha família adoecer”, relata o adolescente.

Assim como João* diversos outros jovens foram diagnosticados, em 2022, com ansiedade no Brasil.

Um mapeamento feito pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, em parceria com o Instituto Ayrton Senna, mostrou que 69% dos estudantes da rede estadual paulista relataram ter sintomas de ansiedade ou depressão durante as atividades remotas impostas pela pandemia.

“A ansiedade é mais comum na infância e adolescência, porque a pessoa ainda não conhece o mundo. É uma fase que o ser humano ainda está em desenvolvimento e a criança está extremamente vulnerável ao que acontece. Assim, uma briga dos pais em casa, por exemplo, pode despertar um quadro de ansiedade no filho”, afirma Gerardo Maria de Araújo Filho, professor da Famerp.

Ênio Roberto de Andrade, diretor do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Hospital das Clínicas de São Paulo diz que, geralmente, o sinal de alerta indicando não ser uma ansiedade normal, mas um transtorno de ansiedade é a influência dos sintomas na vida da pessoa.

“O tratamento mais indicado para a ansiedade na infância e adolescência é a terapia cognitiva comportamental (TCC), caso ela não funcione associa-se tratamento farmacológico. Em adulto, também vale iniciar com TCC, entretanto, geralmente o início com farmacoterapia é muito frequente”, pontuou.